Um pouco da história da semiologia médica...
Alguns acontecimentos foram cruciais nos últimos 3.000 anos para o desenvolvimento do diagnóstico clínico na sua forma como conhecemos hoje. O diagnóstico clínico teve suas origens na medicina grega. Hipócrates e seus contemporâneos lançaram as bases do método clínico, estabelecendo a medicina como uma profissão e declarando que ela tem uma base racional. Eles colhiam uma história minuciosa e praticavam ausculta direta. Foram os mestres da observação – suas descrições de pacientes poderiam caber em textos modernos de medicina sem muitas alterações. Os textos desta época demonstram um alto nível da medicina, que incluia uma cuidadossa anamnese, inspeção, palpação, ausculta direta, e exame do escarro e da urina.
Uma contribuição duradoura da escola de Hipócrates era a convicção de que a doença é de etiologia natural e não divina. Entretanto, os gregos não tinham conceito de nosologia. Eles achavam que a doença era causada por um desequilíbrio dos quatro humores do corpo: sangue, bílis amarela, bílis negra, e linfa.
A mais antiga referência à Semiologia Médica parece ter sido feita no Império Romano; entendia-se a Semiologia como o estudo diagnóstico dos sinais das doenças. O médico Galeno de Pérgamo (139-199 a.D.) referia-se ao diagnóstico como sendo parte da "semiótica médica".
Um marco no desenvolvimento clínico foi a retomada da dissecação de corpos humanos para fins educativos. Andreas Vesalius foi assim, capaz de publicar um texto de anatomia humana precisa em 1543, De Humanis Corporis Fabrica. Este livro foi baseado em dissecção pessoal de corpos humanos. Vesalius forneceu a base anatômica necessária, sobre a qual o método clínico pode ser construído. Algum tempo após, em 1761, Giovanni Morgagni estabeleceria a anatomia patológica, ou patologia, como uma disciplina. Ele estabeleceu conceitos patológicos de órgãos inteiros.
Enquanto esses conceitos de anatomia patológica se desenvolviam, foi de Thomas Sydenham, no século XVII na Inglaterra, o mérito da definição de doença, apresentando o conceito nosológico.
O desenvolvimento histórico da nosologia - ramo da medicina que lida com o conceito, definição, classificação e nomenclatura da doença - foi fundamental para a evolução do diagnóstico clínico. Este conceito permitia entender que uma mesma doença podia causar manifestações clínicas diferentes de um indivíduo para o outro.
Mas o real primórdio do diagnóstico físico ocorreu com a descoberta da percussão por Auenbrugger em 1760, e sua disseminação e aperfeiçoamento por Jean Nicolas Corvisart em 1808. O conceito de localização anatômica da doença no paciente vivo originou-se com a descoberta de percussão. Antes de Auenbrugger, os médicos não podiam descobrir a localização da doença interna durante a vida do paciente. Esta técnica propiciou um grande avanço sobretudo no diagnóstico das afecções pulmonares.
Em 1816, um dos maiores acontecimentos para desenvolvimento da semiologia moderna aconteceu, a invenção do estetoscópio por René Laennec. Laennec não apenas forneceu uma ferramenta extraordinária à medicina, como estabeleceu uma ligação entre o que via e ouvia e a disfunção oculta do corpo. Laennec anotava diretamente os achados observados no exame físico de todos os seus pacientes, registrando de que modo o exame se alterava ao longo do tempo. Quando o paciente morria, algo comum entre os pacientes da época doentes o suficientes para serem levados ao hospital, Laennec estabelecia as relações entre os achados do exame físico, incluíndo a ausculta, e os da autópsia, descrevendo desde aquela época as principais manifestações estetoauscultatórias das doenças cardíacas e pulmonares.
Na primeira metade do século XIX, Paris era a "Meca" do mundo da medicina. A medicina moderna começou a surgir na França durante este período de cinquenta anos. A comunidade médica parisiense foi uma luz brilhante que atraiu médicos de todo o mundo nessa época, assim como eles iriam para a Alemanha a partir de 1850. Pierre-Charles Alexandre Louis (1787-1872) representava o melhor da escola francesa durante este período. Louis estabeleceu a abordagem sistemática para o caso clínico que usamos até hoje. Louis foi um dos primeiros a aplicar estatística para o estudo da medicina.
Todos esses desenvolvimentos foram aplicados à educação médica por William Osler na clínica médica da Universidade Johns Hopkins em 1893, revolucionando, assim, a educação médica e a prática da medicina na América e no Mundo ocidental. O modelo de instrução de clínica médica que Osler implementou causou uma revolução no ensino médico. Ele consolidou a maneira de ensino da semiologia médica à beira do leito. A ele atribui-se o desenvolvimento do modelo de residência médica conhecido hoje em dia. A partir daí, estudantes de medicina tornaram-se membros efetivos da equipe de atendimento ao paciente, realizando anamnese, fazendo exame físico e participando de rondas com os médicos residentes e professores.
Na história da semiologia médica, houve ainda inúmeros importantes marcos, como o modelo de ensino médico à beira do leito, já praticado por Boerhaave em Leiden em 1700; além do desenvolvimento de instrumentos de precisão como o termômetro, oftalmoscópio e o esfigmomanômetro.
Desta forma, a Semiologia Médica vem se desenvolvendo desde a Grécia antiga, principalmente graças a médicos que se entregaram de corpo e alma ao exercício pleno da medicina, sempre se inquietando em fazer mais por seus pacientes – tornando o exame clínico, ainda hoje, a mais poderosa e confiável ferramenta diagnóstica para o clínico.
Referências:
BALFOUR, G. W. On the evolution of cardiac diagnosis from Harvey's days till now. Edinburgh Med J 32:1065-81, 1997.
REISER, S. J. The medical influence of the stethoscope . Sci Am 1979 ;240 :148-50,153-56.
BEDFORD, D. E . Auenbrugger's contribution to cardiology: History of percussion of the heart. Br Heart J 33: 817-21, 1971.
BEDFORD, D. E. Cardiology in the days of Laennec. Br Heart J 34 :1193-98, 1972.
JONES, R.M. American doctors and the Parisian medical world, 1830-1840. Bull Hist Med 47 :40-65 177-204, 1973.
LUDMERER, K. M. Learning to heal: the development of American medical education. New York : Basic Books, 1985.